por Derly Barreto e Silva Filho
O art. 183, § 1º, do Novo Código de Processo Civil (NCPC), dispõe que os entes federados e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal, que se fará por carga, remessa ou meio eletrônico.
A prerrogativa da intimação pessoal do Ministério Público e da Defensoria Pública também se funda nesse mesmo dispositivo, nos termos dos arts. 180 e 186, § 1º, que se remetem expressamente ao citado art. 183, § 1º.
Como se percebe, o NCPC concedeu a todas as Funções Essenciais à Justiça a prerrogativa da intimação pessoal, e nas mesmas condições.
Seja por remessa ou carga de autos, a intimação pessoal almeja assegurar a paridade de armas entre tais instituições; possibilitar, de modo idôneo, eficaz e seguro, o exercício da representação do Estado; e salvaguardar o interesse público. A ratio legis sinaliza a preocupação do legislador com a igualdade real entre os titulares de interesses em conflito, em face das dificuldades com que a Administração Pública se defronta para superar os entraves burocráticos e vencer os obstáculos de deslocamento por comarcas distantes umas das outras, a tempo de promover, satisfatoriamente, a defesa do Estado em juízo.
Destarte, se os Advogados Públicos deixarem de ser pessoalmente intimados dos atos processuais e continuarem a ser cientificados pelo Diário Oficial, serão prejudicados não somente a Advocacia Pública, mas, sobretudo, os direitos indisponíveis defendidos pelo Estado em juízo.
O ideal da igualdade entre as Funções Essenciais à Justiça somente valerá de fato se os Advogados Públicos não forem cerceados em suas prerrogativas.
No entanto, em 18 de março de 2016, a Presidência e a Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo expediram o Comunicado Conjunto nº 379/2016, endereçado aos Juízes de Direito, Coordenadores, Supervisores, Chefes e demais funcionários, Advogados, Defensores Públicos, Procuradores do Estado, Procuradores do Município, Advogados da União e ao público em geral, por meio do qual noticiaram, fundamentalmente, que “o art. 183 do NCPC exige que a Fazenda Pública deva ser intimada pessoalmente de todos os atos processuais proferidos durante a tramitação dos processos, bem como que a intimação pessoal seja feita por meio de carga, remessa ou meio eletrônico”; todavia, “não há (…) recursos humanos ou orçamentários para realizar a remessa de todos esses processos para fins de intimação”. E isso não obstante o art. 280 do NCPC decretar que a falta de intimação pessoal dos Advogados Públicos implica limitação do direito de defesa e conduz à nulidade dos atos processuais praticados em ofensa ao citado comando. Por conseguinte, anuladas as intimações viciadas, reputar-se-ão sem nenhum efeito todos os atos subsequentes que delas dependam, circunstância que imporá a realização de nova ciência à parte, agora pessoal, tal como determina, de modo cogente, a lei, circunstância que comprometerá a tão almejada celeridade processual.
Longe de ser regalia aos membros da Advocacia Pública, a intimação pessoal mediante vista dos autos é prerrogativa fundamental, que concretiza as garantias constitucionais do devido processo legal e do amplo acesso à justiça e ao contraditório, por fornecer aos Advogados Públicos a possibilidade de bem examinar os autos dos processos e formular a melhor pretensão em juízo em favor do Estado. E, como esclarecido no artigo intitulado “O sucateamento da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo”, publicado na p. B15 da Carta Forense de junho passado, há, em andamento na PGE-SP, em torno de 2 milhões de processos judiciais, que, esclareça-se agora, estão sob a responsabilidade de menos de 670 Procuradores do Estado da área do contencioso. Quando se sabe, segundo levantamento realizado pelo SINDIPROESP, que 80% dos processos em Varas de Fazenda Pública paulistas tramitam em meio físico, a questão da intimação pessoal dos Advogados Públicos sobreleva ainda mais em importância.
O legislador ponderou que os prazos forenses, nas causas em que o Estado é parte, devem ser contados a partir da efetiva carga ou remessa dos autos. Por conseguinte, somente quando os autos dos processos com vista estejam fisicamente disponíveis para manifestação no órgão da Advocacia Pública é que os prazos começam a fluir. Ou por outra: a intimação pessoal dos Advogados Públicos somente se perfaz com a efetiva entrega dos autos à repartição, constituindo-se esta tradição física elemento essencial à sua existência.
O volume expressivo de processos envolvendo as atividades dos Advogados Públicos, as enormes distâncias entre as comarcas paulistas por onde tramitam os feitos e as dificuldades que se enfrentam para cumprir os prazos sem o acesso aos autos judiciais (especialmente em impugnações de execuções contra a Fazenda Pública) também assim o recomendam. Cite-se, por exemplo, a competência das Procuradorias Regionais de São José do Rio Preto e de Campinas, unidades da Procuradoria Geral do Estado responsáveis pelo atendimento de mais de 180 municípios e dezenas de comarcas.
Na medida em que a prerrogativa do art. 183 do NCPC existe para que os órgãos de representação judicial do Estado possam exercer o mais eficientemente possível as suas atribuições constitucionais, é defeso ao Poder Judiciário restringi-la. Tratando-se de prerrogativa de natureza pública, não podem a parte (a Fazenda Pública) nem os seus patronos (os Advogados Públicos), nem, muito menos, os juízes, ignorá-la, como se se tratasse de bem disponível seu. Aliás, cabe ao Poder Judiciário providenciar, incondicionalmente, o envio dos autos físicos aos órgãos de Advocacia Pública, a fim de que se concretize a intimação pessoal legalmente prescrita como prerrogativa processual inalienável, tal como procede em relação ao Ministério Público e à Defensoria Pública, que, insista-se, gozam da mesma prerrogativa da intimação pessoal, e nas mesmas condições da Advocacia Pública.
A distinção de tratamento entre as Funções Essenciais à Justiça afigura-se de todo inconstitucional, por violar o princípio da igualdade.
Precedentes dos Tribunais Superiores não faltam. Assim, no Supremo Tribunal Federal, o Habeas Corpus nº 126.663, o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 213.121 e o Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 116.061; e, no Superior Tribunal de Justiça, os Recursos Especiais nºs 978.865, 1.190.865, 1.222.004 e 1.278.239 e os Habeas Corpus nºs 288.517, 296.014 e 321.069. Ambas as Cortes firmaram o entendimento de que os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público devem ser intimados pessoalmente de todos os atos do processo, mediante entrega física dos autos, sob pena de nulidade absoluta do ato, por violação do princípio constitucional da ampla defesa. Idêntico tratamento há de ser dispensado a todos os Advogados Públicos.
Essas foram algumas das razões que o SINDIPROESP apresentou em sede de Procedimento de Controle Administrativo nº 006560-26.2016.2.00.0000, inaugurado em 17 de novembro de 2016 no Conselho Nacional de Justiça e ainda inconcluso, a fim de anular o indigitado Comunicado Conjunto nº 379/2016.