A Importância e a Urgência da Criação de Carreiras de Apoio Técnico à Advocacia Pública

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Derly Barreto e Silva Filho

Procurador do Estado de São Paulo

Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP

Presidente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo –SINDIPROESP (biênios 2015-2016 e 2017-2018)

Ex-Conselheiro Eleito da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (biênio 2013-2014)

Membro das Comissões de Advocacia Pública, de Direito Constitucional e de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP (triênio 2016-2018)

Autor do livro intitulado “Controle dos atos parlamentares pelo Poder Judiciário” (Malheiros, 2003)

Várias são as competências constitucionais a cargo exclusivo da Advocacia Pública e seus membros.

 

Do texto da Constituição da República trintenária, extraem-se: a representação judicial e extrajudicial, a consultoria e o assessoramento jurídicos e a execução da dívida ativa dos entes federados (cf. arts. 131 e 132).

 

Do diploma constitucional paulista (cf. art. 99, I a X) e da Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (cf. art. 3º, I a XXI, da Lei Complementar nº 1.270, de 2015), destacam-se, relativamente aos Procuradores do Estado, outras mais: a) a proposição da extensão administrativa da eficácia de decisões judiciais reiteradas; b) a promoção da uniformização da jurisprudência administrativa e da interpretação das normas, tanto na Administração Direta quanto na Indireta; c) a representação ao Governador sobre providências de ordem jurídica reclamadas pelo interesse público e pela boa aplicação das normas vigentes; d) a prestação de assistência jurídica aos Municípios; e) a realização de procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial; f) o acompanhamento de inquéritos policiais sobre crimes funcionais, fiscais ou contra a Administração Pública e a atuação como assistente da acusação nas respectivas ações penais, quando for o caso; g) a definição prévia da forma de cumprimento de decisões judiciais; h) a manifestação sobre as divergências jurídicas entre órgãos da Administração Direta ou Indireta; i) a manifestação de opinião prévia à formalização de contratos administrativos, convênios, termos de ajustamento de conduta, consórcios públicos ou atos negociais similares celebrados pelo Estado e suas autarquias; e j) a coordenação, para fins de atuação uniforme, dos órgãos jurídicos das universidades públicas, das empresas públicas, das sociedades de economia mista sob controle do Estado, pela sua administração centralizada ou descentralizada, e das fundações por ele instituídas ou mantidas. 

 

Trata-se, como se observa, de um vasto plexo funcional de singular importância para o Estado Democrático de Direito, que se preordena a universalizar direitos, deveres e obrigações, a defender e a assegurar o interesse e o patrimônio públicos, a garantir que a atuação e o planejamento das ações estatais observem e sigam estrita e uniformemente os ditames constitucionais, legais e infralegais e se revistam dos predicados jurídicos necessários ao atingimento preciso, efetivo e eficaz dos fins pretendidos pela Administração Pública e reclamados pela sociedade.

 

A rigor, por mandamento constitucional expresso, não deve haver um passo sequer que o Estado objetive dar sem a guarida da Advocacia Pública, instituição que reúne agentes selecionados por meio de concurso público de provas e títulos com a incumbência específica de orientá-lo juridicamente na execução de atos administrativos e na elaboração de atos normativos e das mais variadas políticas públicas da alçada do Poder Executivo.  É por isso que a Constituição de 1988 apartou as Funções Essenciais à Justiça (o Ministério Público, a Advocacia Pública e a Defensoria Pública) dos Poderes do Estado, dispondo-as em capítulo próprio, diverso daqueles que disciplinam o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, e não submeteu nenhuma delas a relações de subordinação hierárquico-funcional aos agentes políticos.  Do contrário, malograria toda intenção democrático-constitucional de conformar o Poder Público a um contexto de juridicidade, livre de injunções político-partidárias e de coarctações à independência técnica dos membros que integram tais carreiras típicas de Estado.

 

Em que pesem a grandeza e a significação jurídica e social das funções cometidas à Advocacia Pública, causa perplexidade o descaso do Governo de São Paulo relativamente à carência de recursos humanos no âmbito da Procuradoria Geral do Estado (PGE-SP), instituição responsável (i) pela cobrança de R$ 349 bilhões de dívida ativa, levada a efeito por meio de mais de 1 milhão de execuções fiscais; (ii) pela arrecadação, entre janeiro de 2013 e agosto de 2018, de mais de R$ 17,9 bilhões de dívida ativa [1]; (iii) pela representação do Estado em juízo em mais de 2,2 milhões de processos; e (iv) pela emissão, só entre janeiro e agosto de 2018, de mais de 10 mil pareceres pelas diversas consultorias jurídicas, presentes em todas as Secretarias e Autarquias do Estado.

 

Atualmente, remanescem nos quadros da PGE-SP 788 Procuradores do Estado (65,5% do quadro legal de 1.203) e 624 servidores administrativos (26,7% dos quais em condição de se aposentar), números inferiores aos de 2013, quando a Instituição contava com 1.899 agentes no total.

 

Além da escassez do quadro de apoio administrativo (0,79 servidor por Procurador), inexistem carreiras de apoio técnico aos membros da PGE-SP, como a de assistentes jurídicos, absolutamente imprescindível em vista da celeridade imposta na tramitação processual pelo Conselho Nacional de Justiça, notadamente no primeiro grau de jurisdição [2], e do aumento exponencial do número de ações e decisões judiciais processadas massiva e digitalmente em cumprimento à Lei nº 11.419, de 2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial [3].

 

No Ministério Público de São Paulo (MP-SP), diferentemente, há 2.032 Promotores e Procuradores de Justiça e 5.454 servidores em atividade, dos quais 2.159 são de nível superior.  Destes, 1.919 são analistas jurídicos, responsáveis por prestar auxílio técnico-jurídico às atividades processuais e extraprocessuais do Parquet [4].  Ou seja, para cada membro do MP-SP, existem 2,68 servidores.

 

Por seu turno, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) tem “2,6 mil magistrados e aproximadamente 43 mil servidores, em 319 comarcas do Estado” [5].  São, portanto, mais de 16 servidores por magistrado.

 

A par disso, entre 2012 e 2017, foram editadas a Lei Complementar nº 1.172 e a Lei nº 16.393, que criaram 4.618 cargos em comissão de Assistente Judiciário, para atender à estrutura dos gabinetes dos Juízes de Direito de Entrâncias Final, Intermediária e Inicial, cargos para os quais somente podem ser nomeados servidores que sejam bacharéis em Direito.  A justificativa apresentada pela Presidência do TJ-SP reside na necessidade de dotar os Juízos de Primeira Instância de “auxílio na preocupante massa de processos à espera de julgamento, contribuindo, inclusive, para prestação jurisdicional mais célere, maior segurança (…) na execução das obrigações envolvendo o Poder Público”; e na exigência de “maior produtividade e rapidez” dos Juízes de primeiro grau nos processos digitais próprios do SAJ – Sistema de Automação da Justiça, “o que só será possível com a ampliação do número de servidores especializados, os Assistentes Judiciários”.

 

Como se vê, enquanto o TJ-SP e o MP-SP buscam estruturar-se e aprimorar-se a fim de enfrentar os crescentes desafios na prestação célere e eficiente de justiça, o Governo do Estado de São Paulo segue negligenciando a PGE-SP.

 

Em resposta à Indicação Parlamentar nº 692, de 28 de março de 2017, por meio qual foi solicitada ao Governador, a pedido do SINDIPROESP, “a tomada das providências para o imediato envio à Assembleia Legislativa do projeto de lei que cria e regulamenta o quadro de carreiras de apoio aos Procuradores do Estado de São Paulo”, a Casa Civil do Estado de São Paulo, em 7 de setembro de 2018, esclareceu que referido anteprojeto, que se arrasta pelos escaninhos da Administração Pública desde 2013, “será levado a cabo no momento considerado conveniente e oportuno pelo Chefe do Poder Executivo bandeirante” [6].

 

Em nome do princípio republicano, urge indagar: até quando o Governo paulista considerará inconveniente e inoportuno zelar pela arrecadação tributária, pela defesa e conservação do patrimônio público e pela probidade administrativa?


[1] Relatórios Anuais do Governo do Estado de São Paulo, disponíveis em https://portal.fazenda.sp.gov.br/acessoinformacao/Paginas/Relat%C3%B3rio-Anual-do-Governo-do-Estado.aspx#.

[2] Vide Resoluções CNJ nºs 194 e 195, de 2014, que tratam, respectivamente, da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição e da distribuição de orçamento nos órgãos do Poder Judiciário de primeiro e segundo graus.

[3] Reunidos em Brasília, nos dias 20 e 21 de novembro de 2017, durante o XI Encontro Nacional do Poder Judiciário, os presidentes ou representantes dos tribunais do País aprovaram as Metas Nacionais para o Judiciário brasileiro alcançar em 2018.  Dentre elas, a de nº 2, que estabelece o compromisso de a Justiça Estadual julgar até 31/12/2018 pelo menos 80% dos processos distribuídos até 31/12/2014 no 1º grau, 80% dos processos distribuídos até 31/12/2015 no 2º grau, e 90% dos processos distribuídos até 31/12/2015 nos Juizados Especiais e Turmas Recursais (cf. http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/01/8d31f5852c35aececd9d40f32d9abe28.pdf).

[4] Dados de agosto de 2018, obtidos em consulta ao site http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Portal_da_Transparencia.

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