Dispositivos da Lei Orgânica da PGE-SP Que Criam Funções De Confiança Sem Atribuição São Objeto De ADI

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Derly Barreto e Silva Filho

Procurador do Estado de São Paulo

Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP

Presidente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo – SINDIPROESP (biênios 2015-2016 e 2017-2018)

Membro das Comissões de Advocacia Pública, de Direito Constitucional e de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP (triênio 2016-2018)

 

Os arts. 37, V, da Constituição da República, e 115, V, da Constituição do Estado de São Paulo, dispõem que “as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.

Trata-se de normas que excepcionam a regra constitucional da investidura nos quadros da Administração Pública mediante concurso público.

Concurso público, como cediço, é instrumento que confere efetividade aos princípios da igualdade, impessoalidade, moralidade e eficiência.  Alicerçado no sistema do mérito, garante a seleção dos candidatos mais aptos ao exercício dos cargos, funções e empregos públicos.  Entretanto, algumas especificidades exigidas no desempenho de certas ocupações resultam na sua inadequação como melhor método para o seu preenchimento.  Em determinadas hipóteses, em virtude de atribuições atinentes à função pública, a escolha do servidor deve recair sobre pessoa de confiança do governante.  Daí a previsão constitucional de cargos comissionados e de funções de confiança, destinados, apenas, às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

Segundo Cármen Lúcia Antunes Rocha, “função pública é aquela que se caracteriza por ser destinada ao provimento de agentes que atendem a uma qualidade pessoal que o vincula, direta e precariamente, a determinadas diretrizes políticas e administrativas dos governantes em determinado momento”.  “Assim, o elo de vinculação pessoal identifica o agente que é indicado para o exercício da função e denota a sua ligação com a política ou com as diretrizes administrativas estabelecidas” (Princípios constitucionais dos servidores públicos.   São Paulo: Saraiva, 1999, p. 177).

É a presença das atividades de direção, chefia e assessoramento que legitima a criação de cargos comissionados e funções de confiança, na quantidade e nas situações legalmente assentadas pelos entes federados.

Por conseguinte, pode-se afirmar, inequivocamente, que a criação de cargos comissionados e funções de confiança para o desempenho de funções técnicas e operacionais, na ilustrativa expressão utilizada pelo Supremo Tribunal Federal (ADIs 3.706 e 4.125), não encontra resguardo constitucional, porquanto não apresenta qualquer especificidade diferenciadora.  Tais funções devem ser exercidas por servidores titulares de cargos efetivos, sem quaisquer ônus remuneratórios adicionais ao Estado.

A excepcionalidade da inexigibilidade de concurso público demanda, assim, a sua plena demonstração por parte do legislador, mediante a descrição na lei das atribuições correspondentes aos cargos comissionados e às funções de confiança, única forma possível de aferir o cumprimento da Constituição (STF, ADI 3.233).

A justificação – manifestada pelo detalhamento das atividades do servidor – corrobora a necessidade de criação da lei e, por conseguinte, dos cargos comissionados e das funções de confiança; por outro lado, a ausência de demonstração legal, por si só, é suficiente para acarretar a inconstitucionalidade do ato normativo.

A descrição na lei das atividades opera como mecanismo de controle da criação de cargos simulados e desvios de funções administrativas; garante que sejam aplicadas aos seus ocupantes as normas administrativas, trabalhistas e previdenciárias apropriadas para as posições, de fato, exercidas; e, principalmente, assegura que somente sejam previstos cargos comissionados e funções de confiança para atividades de direção, chefia e assessoramento, e não para o desenvolvimento de atribuições próprias de cargo efetivo – o que representaria patente burla à exigibilidade de concurso público.  Dessa forma, a omissão da lei quanto à especificação das atribuições funcionais culmina na inconstitucionalidade por ação do que restou ali contemplado, em nítida fuga do regime jurídico especial relativo a cargos comissionados e funções de confiança constitucionalmente estabelecido.

A designação de servidor para o exercício de funções de confiança implica, obrigatoriamente, a assunção de outras atribuições (de direção, chefia e assessoramento).  Sem dúvida, a criação injustificada, inespecífica e indiscriminada de funções realmente desempenhadas como dever de comissionamento acarreta desequilíbrios, distorções e dúvidas na Administração Pública, prejudica o regular funcionamento dos serviços, e, no âmbito da Advocacia Pública em especial, afeta gravemente a defesa judicial e a consultoria e o assessoramento jurídicos do Estado, em vista do desfalque e da consequente sobrecarga de trabalho dos Procuradores remanescentes em exercício nos cargos efetivos.

Não fosse o bastante, a jurisprudência do STF e a do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) em particular são uníssonas em afirmar a necessidade de delimitação, pela lei, das atividades relativas a cargos comissionados e funções de confiança.

Com base nessas considerações e apoiado em parecer do constitucionalista André Ramos Tavares, o SINDIPROESP ajuizou ação direta de inconstitucionalidade no TJSP a fim de questionar a validade jurídico-constitucional da Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo – LOPGE (Lei Complementar nº 1.270, de 2015), que criou várias funções de confiança, sem, contudo, descrever as suas respectivas atribuições.

Entre os dispositivos questionados, o art. 72, II e III, diz constituírem funções de confiança privativas de Procurador do Estado as de Procurador do Estado Coordenador Geral de Administração, Procurador do Estado Coordenador dos Órgãos de Apoio, Procurador do Estado Ouvidor Geral, Procurador do Estado Assessor, Procurador do Estado Assessor Chefe e Procurador do Estado Assistente.  Mas não há, no dispositivo em referência, nem em qualquer outro, a especificação dos encargos relativos às funções em comento.

A omissão em questão obviamente não pode ser suprida por decreto ou por outro ato infralegal, como quer inconstitucionalmente o art. 73 da LOPGE, ao prescrever: “Caberá ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado deliberar sobre a fixação das atribuições das funções de confiança previstas nesta lei complementar, mediante proposta do Procurador Geral”.

A descrição das atribuições de direção, chefia e assessoramento é matéria reservada exclusivamente à lei formal.

A respeito, o Órgão Especial do TJSP, por unanimidade, já decidiu: i) “não pode a lei delegar competência reservada a ela pela Constituição do Estado para decreto estabelecer as atribuições dos cargos” (ADI nº 9056304-85.2008.8.26.0000); e ii) “A definição das atividades e condições de exercício dos cargos de provimento em comissão devem ser expostas na própria lei que os criou” (ADI nº 2227159-41.2016.8.26.0000).

Em síntese, a criação de funções de confiança não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva, fictícia.  Deve, isto sim, adstringir-se às atribuições de chefia, direção e assessoramento, para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas, burocráticas, operacionais e rotineiras, às quais é reservado o provimento efetivo, precedido de aprovação em concurso público.  Outrossim, é absolutamente imprescindível que a lei em sentido formal criadora das funções de confiança descreva as suas efetivas atribuições, para se aquilatar se realmente se amoldam às de direção, chefia e assessoramento.

Somente a partir da descrição legal precisa das atribuições das funções de confiança será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrados, averiguar-se a correção e a licitude do exercício das funções públicas pelos servidores.

Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos válidos em nome da Administração Pública e, em especial, daqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que ainda permite a aferição da legitimidade da forma de investidura na função de confiança, que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade e eficiência administrativa.

Publicado em 6 de fevereiro de 2018.

Fonte: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/dispositivos-da-lei-organica-da-pge-sp-que-criam-funcoes-de-confianca-sem-atribuicao-sao-objeto-de-adi/18088

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