Um Caso de Improbidade por Omissão

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Derly Barreto e Silva Filho

Procurador do Estado de São Paulo

Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP

Presidente do Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo – SINDIPROESP (biênios 2015-2016 e 2017-2018)

Membro das Comissões de Advocacia Pública, de Direito Constitucional e de Direitos e Prerrogativas da OAB-SP (triênio 2016-2018)

 

Há 3 anos, nas sessões dos dias 3, 10, 17 e 24 de outubro e 7 e 14 de novembro de 2014 (http://www.pge.sp.gov.br/Conselho/consulta.aspx), o Conselho da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP) deu lugar a uma profusão de dramáticos relatos de Procuradores do Estado sobre a insuportável sobrecarga de serviço e as precárias e indignas condições de trabalho de então, situação que, de lá para cá, se agudizou tremendamente em razão (i) do aumento exponencial de processos judiciais e administrativos nas áreas do Contencioso e da Consultoria, (ii) da falta de carreiras de apoio e (iii) do número cada vez maior de aposentadorias e exonerações nos quadros da PGE.  Atualmente, mais de 30% dos cargos de Procurador do Estado encontram-se vagos, havendo mais Procuradores do que servidores na PGE-SP (cerca de 0,82 servidor por Procurador), não obstante os Advogados Públicos estaduais incumbam-se, dentre outras importantes atribuições, da arrecadação e da cobrança de dívida ativa, estimada em mais de R$ 340 bilhões, da defesa do Estado em juízo em ações milionárias e da segurança jurídica das políticas públicas estaduais (controle preventivo de legalidade e constitucionalidade dos atos administrativos).

Naquela oportunidade, os Procuradores do Estado rogaram ao comando institucional da PGE-SP a implementação de medidas visando a superar os graves problemas apontados, a resguardar o interesse público e a valorizar a carreira.

Continuo a fazer minhas as impressões, as súplicas, as reivindicações, as sugestões e as esperanças levadas por centenas de Procuradores do Estado ao Conselho da PGE-SP, naquelas históricas sessões, de que honrosamente participei na condição de conselheiro eleito.

Foi emocionante presenciar a eclosão espontânea de um movimento coletivo preordenado a enaltecer a Advocacia Pública, adefender os direitos e as prerrogativas das Advogadas e Advogados Públicos, a reivindicarmaior apoio funcional às atividades de representação, consultoria e assessoramento jurídicos, a protestar por condições de trabalho mais dignas, a apontar as mazelas e precariedades da PGE-SP e a lutar pelo respeito à elevada função social que os Procuradores do Estado constitucionalmente desenvolvem no Estado Democrático de Direito brasileiro.  O movimento PGE Valorização Já! teve voz e lugar em um momento de grave crise institucional, que infelizmente ainda não encontrou uma solução republicana, proba, eficiente e responsável por parte dos administradores públicos paulistas.

Em 5 de agosto de 2016, considerada a situação crítica a que chegou a PGE-SP, oSINDIPROESPoficiou o Governador do Estado (http://www.sindiproesp.org.br/pdf/SINDIPROESP-concurso%20p%C3%BAblico%20para%20Procurador-of%C3%ADcio%20ao%20Governador%20do%20Estado.pdf), a fim de que se dignasse de autorizar imediatamente a abertura do certame exigido pelo art. 76, caput, da Lei Complementar nº 1.270, de 25 de agosto de 2015, para o provimento dos cargos vagos de Procurador do Estado, de modo a salvaguardar o patrimônio público e zelar pela arrecadação tributária.  Afinal, mencionado dispositivo prescreve, de forma cogente, que “o ingresso na carreira de Procurador do Estado se dará mediante aprovação prévia em concurso público de provas e títulos, e será realizado quando houver, no mínimo, 20 (vinte) cargos vagos a serem preenchidos, mediante autorização do Governador do Estado”.

Oficiou o Chefe do Poder Executivo em razão de não ter havido, por parte do Procurador Geral do Estado (http://www.sindiproesp.org.br/home/sindiproesp-insta-o-procurador-geral-do-estado-a-expor-ao-governador-a-situacao-critica-da-pge/), qualquer solicitação com base no parágrafo único do art. 1º do citado Decreto nº 61.466, de 2015, que dispõe que “o Governador do Estado poderá, excepcionalmente, autorizar a realização de concursos (…) mediante fundamentada justificativa dos dirigentes dos órgãos (…) aprovada pelas Secretarias de Planejamento e Gestão e da Fazenda” (cf. http://www.sindiproesp.org.br/home/concurso-de-ingresso-para-procurador-do-estado-secretaria-de-planejamento-informa-que-procurador-geral-ainda-nao-solicitou-a-abertura-do-certame-em-carater-excepcional/ ehttp://www.sindiproesp.org.br/home/concurso-de-ingresso-para-procurador-do-estado-secretaria-de-planejamento-informa-que-procurador-geral-ainda-nao-solicitou-a-abertura-do-certame-em-carater-excepcional-2/).

Para o SINDIPROESP, nada justificava – como até agora não justifica – a omissão e a incúria do comando da PGE-SP.

Além do mencionado ofício, oSINDIPROESP protocolou, no Palácio dos Bandeirantes, dois pedidos de audiência com o Governador neste ano de 2017, para tratar das péssimas condições de trabalho dos Procuradores do Estado.  Ambos ignorados.

Passado mais de 1 ano sem resposta governamental ao ofício sindical e transcorridos 3 anos do surgimento do movimento coletivo PGE Valorização Já!, a PGE-SP vive em estado agônico, em permanente risco de colapso funcional.

São 365 cargos vagos de Procurador do Estado, 10% do quadro ativo em condições de se aposentar, em torno de 2 milhões de processos judiciais em andamento, ingresso mensal de milhares de novas ações contra o Estado, um sem-número de manifestações forenses protocoladas diariamente, milhares de pareceres elaborados anualmente.  Tudo a cargo de uma carreira que desfalece dia após dia.

Bem sabem os governantes que, de acordo com o art. 10, X, da Lei nº 8.429, de 1992,agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público, constitui ato de improbidade administrativa.

Por mês, cada Procurador do Estado arrecada mais de R$ 240 mil – isto é, paga-se e dá extraordinário “lucro” a São Paulo(http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/o-sucateamento-da-procuradoria-geral-do-estado-de-sao-paulo/17617) – e evita prejuízos astronômicos ao erário, quando defende (em geral, vitoriosamente) o Estado em juízo.  Menos Procuradores significa menor arrecadação tributária e maior possibilidade de São Paulo sofrer vultosas derrotas judiciais e ver o patrimônio público indefeso.

Bem sabem os governantes que Procuradores do Estado não são contadores, não são oficiais administrativos, não são assistentes técnicos, não são técnicos em informática, não são estagiários de direito, não são motoristas, não são faxineiros.  São Advogados Públicos, e a ordem constitucional veda que atuem em desvio de função, porquanto, na lição de Celso Ribeiro Bastos, existe o direito ao cargo, o direito a uma expressão mínima, ao conteúdo, à essência das atribuições para as quais eles ingressaram no serviço público (O funcionário público: natureza estatutária do seu regime, in Revista de Direito Público, vol. 21, julho-setembro de 1972, p. 156).  E continua o renomado e saudoso constitucionalista: “Então, o Estado não pode (…), com fundamento na modificabilidade das cláusulas, unilateralmente, desnaturar de tal maneira o cargo ao ponto de transformar, por exemplo, um procurador do Estado (…) num escrevente” (idem, ibidem).

O desmazelo com a PGE-SP e com o interesse público também é perceptível pelo longo silêncio do governo paulista (mais de 6 meses!) em responder à Indicação Parlamentar nº 692, por meio da qual foi solicitada ao Governador, a pedido doSINDIPROESP, “a tomada das providências para o imediato envio à Assembleia Legislativa do projeto de lei que cria e regulamenta o quadro de carreiras de apoio aos Procuradores do Estado de São Paulo” (cf. http://www.sindiproesp.org.br/home/carreiras-de-apoio-aos-procuradores-do-estado-indicacao-que-cobra-o-envio-de-projeto-de-lei-aguarda-resposta-ha-6-meses-2/).  O anteprojeto em questão arrasta-se pelos escaninhos da Administração há mais de 4 anos, em que pese a relevância e a urgência da matéria.

O SINDIPROESP e os Procuradores do Estado agora esperam que o Ministério Público do Estado de São Paulo, a quem cabe “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (cf. art. 129, III, da Constituição da República), reaja a esse tamanho descaso com a coisa pública.

(fonte: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/um-caso-de-improbidade-administrativa-por-omissao/17953)

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Publicado em 05 de novembro de 2017.

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